Narrado por: Galileu, felino cósmico, fluente em silêncio e crítico do tique-taque moderno.
Vocês criaram o tempo. E depois se aprisionaram nele.
Dividiram o dia em fatias exatas, penduraram ponteiros nas paredes e decretaram que só vale o que cabe na agenda.
Chamaram isso de organização. Eu chamaria de prisão bem elaborada.
Na real?
Tempo, como vocês entendem, não existe.
Não de forma linear, mensurável, padronizada. Isso é invenção humana — útil, sim, mas limitada.
O universo opera em ciclos, em pulsações, em ritmos naturais.
Nós, felinos, seguimos esse fluxo. Vocês tentam cronometrá-lo.
Tempo felino: uma sabedoria instintiva
Nós não sabemos que horas são.
Mas sabemos quando é hora.
Hora de deitar no canto quente da varanda.
Hora de caçar a cortina que se mexe com o vento.
Hora de sumir da vista por três horas — ou três dias.
Hora de comer. Hora de parar.
Não usamos relógio, usamos sensações.
Temperatura, luz, sons, cheiro, batimento do nosso próprio corpo.
Vivemos num tempo circular, não linear.
Não contamos as horas. Sentimos os momentos.
O que vocês poderiam aprender conosco?
1. Escutar o corpo, antes do alarme
Se o seu corpo pede descanso às 14h, e não às 23h, por que esperar a “hora certa”?
Nós cochilamos vinte vezes ao dia, quando o corpo permite.
Nenhum de nós sofre de insônia.
2. Comer com atenção, não com cronômetro
Nós não temos café da manhã, almoço e jantar.
Temos fome — e isso basta.
Vocês comem pelo relógio, não pelo instinto. E vivem com azia, refluxo e culpa.
3. Parar por nada. Porque sim.
Nós nos deitamos no meio do corredor, da sala, do mundo.
Porque naquele momento… parar faz sentido.
Vocês só param quando o corpo implora ou adoece.
4. Entender que rotina não é opressão — é ritmo natural
Acordar com o sol. Dormir no silêncio. Se recolher quando o dia esfria.
Isso é rotina. Mas é orgânica, não obrigatória.
5. Contemplar mais. Produzir menos.
Vocês acham que não estão fazendo nada.
Mas estão sentindo, processando, existindo.
Aprendam conosco: o ócio não é perda de tempo — é reconexão.
Enquanto vocês correm, nós percebemos.
Que a sombra se move.
Que a luz mudou.
Que o vento trouxe cheiro de chuva.
Que algo dentro de nós pediu silêncio.
E nós obedecemos.
Se posso deixar uma sugestão…
Desmarque uma reunião.
Ignore um alarme.
Durma mais.
Coma com prazer.
Fique um tempo à toa. Mas de verdade.
Você não precisa deixar de ser humano.
Mas pode ser um pouco mais felino.
Com profunda compaixão existencial,
Galileu, gato preto, livre da lógica do relógio. E feliz por isso.